Pier Paolo Tamburelli é um arquitecto italiano, que trabalha em Milão, o que só por si, já impõe uma certa autoridade arquitetónica, sobretudo para nós, os que ainda somos altamente motivados pela obra moderna do Renascimento e pela obra racionalista dos grandes mestres do Norte, Aldo Rossi e Giorgio Grassi.
Sobre o primeiro evento acaba de publicar On Bramante e sobre o segundo publicou Due saggi sull´architettura, livro que me ofereceu no Verão de 2013, e li na praia em Moledo, sob a névoa do clima atlântico, o que me pareceu o cenário perfeito para uma homilia onírica de arquitectura intemporal.
Em ambos comprova a sua teoria-de-projecto, de que a história antiga e a história recente, na arquitectura, não têm propriamente uma cronologia convencional, sendo antes matéria de permanente (in)reflexão, utilizadas, sem tempo, para a construção mental do projecto-de-arquitectura. É isso que se percebe, quando observamos a sua mais importante edificação, a Casa della Memoria, erguida na capital Lombarda. Um volume quadrangular opaco e denso, composto sob a rigidez de 3 alinhamentos estruturais, que no seu interior, desvenda uma inexpectável fluidez e uma surpreendente espacialidade a la Chandigarh. A caixa-forte tem a aparência de um retábulo tectónico, com profundidades de imagens em maçonaria de tijolo, a mesma que os frontões das basílicas de Fillipo Brunelleschi aparentam, porque não foram acabadas a mármore. Os retratos e as cenas que atribuem carisma e conteúdo à fachada são, tal como nas pinturas de Piero della Francesca, absolutamente bidimensionais e absolutamente em profundidade, no caso, desmaterializando a solidez da sua construção e diluindo a abstracção da sua materialidade.
O seu escritório, intitula-se de BAUKUH, termo que evoca a arte de construir, tal como a língua alemã define a arquitectura, mas abre na linguagem do neologismo algo que poderá transcender a mera utilidade social do ofício. O seu labor teórico e prático é de facto teórico-prático e será praticamente impossível separar a sua obra construída da sua obra escrita. Fundador da mais interessante e influente revista científica de arquitectura europeia das últimas décadas, a San Rocco (cujo título cita um dos mais radicais projectos não construídos da efémera dupla Grassi-Rossi), Pier Paolo fala e desenha a arquitectura e o seu projecto, num misto de à-vontade oficinal e saber de gravidade. O verdadeiro pedreiro Loosiano que aprendeu (muito) latim.
Como grande parte dos bons e importantes arquitectos é um professor completo, tendo sido docente no Politécnico de Milão, no Instituto Berlage, na Universidade Técnica de Munique (TUM), no GSD de Harvard, na Universidade de Illinois em Chicago, e na Porto Academy na FAUP, onde temos agora o prazer de o voltar a receber na nossa opção de estudos E, Teoria e Práticas de Projecto, do programa de doutoramento. Actualmente é professor regente da cadeira de Teoria de Projecto da Universidade Técnica (TU) de Viena, na Áustria. A história do nosso curso não estaria nunca completa, sem uma lição de arquitectura dada pelo Pier Paolo, a quem agradeço a disponibilidade para aceitar o nosso convite. Grazzie mille.
Nuno Brandão Costa, março de 2023