O grupo de investigação T2P desenvolve investigação no campo das relações entre a teoria e a prática de projecto na área disciplinar da Arquitectura. O seu objecto de estudo não tem uma delimitação geográfica rígida, mas privilegiará a investigação no âmbito da assim chamada Arquitectura Portuguesa (em Portugal e no mundo), sem excluir as arquitecturas e os arquitectos estrangeiros com afinidades arquitectónicas com a nossa própria forma de projectar. O objecto de estudo não tem uma delimitação cronológica rígida, mas privilegiará sempre a Arquitectura Contemporânea (no sentido do que se faz hoje e agora) ou, no caso dos estudos que incidam sobre arquitecturas do passado, na sua relação (enquanto História) com a Arquitectura hoje.
Os métodos adoptados pelo grupo não serão, nem exclusivamente científicos, nem exclusivamente empíricos. O grupo privilegiará a importância do dado empírico, mas, procurando encontrar explicações plausíveis para as Arquitecturas investigadas que permitam, no final, compreendê-las melhor e delas extrair ensinamentos para arquitecturas futuras. Os métodos de investigação adoptados pelo grupo darão grande importância ao desenho, às suas virtualidades mas também aos seus problemas, isto é, à capacidade que o desenho possui de dar a ver os problemas no seio dos quais a arquitectura se move e constrói. Quando não presente de uma maneira explícita, as modalidades de investigação do grupo privilegiarão sempre as suas características metodológicas: a intuição, o redesenho, o reconhecimento de uma morfologia, a sua dimensão estratégica, a proporção e a escala, a demonstração de uma ideia, o método tentativa-erro, a sobreposição de soluções possíveis para um mesmo problema, etc., etc.
O grupo escolhe assim para se autodenominar «Teoria e Práticas de projecto»:
a.) teoria no singular para declarar a importância que reconhece ao mundo das ideias que percorrem o tempo e o espaço da História e que configurariam, idealmente, um corpus unitário da disciplina no qual as contradições e dissensões existem mas ficam suavizadas;
b.) práticas de projecto no plural para anunciar a pluralidade de hipóteses e caminhos que o ofício da arquitectura não impede nem poderia nunca impedir, que o grupo pretende cultivar como abertura ao mundo (dos homens e das ideias), mas que recusa enquanto lugar-comum de que hoje tudo é possível e válido numa espécie de pluralismo sem nome nem ideias que este colectivo, agora em formação, reconhece, mas no qual não se revê.
O grupo acredita ainda no projecto moderno enquanto último vínculo da Arquitectura como ofício com a vida do dia-a-dia numa perspectiva progressista, mas não cega para com a História. O grupo revê-se e quer continuar a herança dos mestres do movimento moderno, antes e depois do pós-guerra, e por isso continua a rever-se na investigação moderna.
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O André Tavares tornou-se uma figura relevante e incontornável do debate e da cultura arquitetónica.
Hoje em dia, nas faculdades de arquitetura, ouvimos diária e compulsivamente falar em investigação e todos se intitulam como tal, na maior parte das vezes, de modo arbitrário e sem nexo. O André é a personificação paradigmática e de referência, da investigação em arquitetura, em múltiplas plataformas e registos. Com uma, já extensa, obra realizada dentro e fora da academia. Uma obra sempre marcada pela originalidade e sofisticação dos conteúdos e pelo modo independente de os tratar e apresentar. Sempre no fio do rigor extremo, como uma sensibilidade exclusiva e com o necessário e doseado pragmatismo metodológico, sem o qual, nenhuma obra se finaliza. O resultado é um corpo de trabalho muito sólido, de enorme qualidade, que tem vindo a ganhar, expressiva reputação internacional.
Tudo isto que acabei de enunciar, não pertence ao domínio da subjetividade. Está fundado em inúmeros factos, a maior parte deles públicos, dada a sua difusão e notoriedade. Vou apenas enumerar alguns, não por serem os mais relevantes, dado que essa hierarquia no seu currículo não faz muito sentido, antes porque tive que selecionar, de modo a rapidamente lhe passar a palavra.
Licenciou-se e doutorou-se em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, onde foi também professor assistente, papel que também desempenhou na Universidade do Minho, onde foi investigador principal, sendo também investigador convidado na École d’architecture de la ville et des territoires Marne-la-Vallée , no a Observatório da condição suburbana da Universidade Gustave Eiffel, em Paris.
É desde 2021, investigador Principal do CEAU da FAUP, tendo sido um dos cinco investigadores nacionais a ser este ano galardoado com uma bolsa de Consolidação do Conselho Europeu de Investigação, propondo-se a traçar uma história socioecológica da arquitectura no Atlântico Norte a partir dos peixes.
Este mais recente cargo seguiu-se à sua função como investigador residente no Instituto de Teoria e História da Arquitetura do ETH, em Zurique e professor de seminário de Teoria, na mesma Instituição. Consequencia dessa estadia, foi recentemente publicado, o livro, “Vitruvius without text, the biography of a book”, com o selo editorial da GTA Verlag. Por falar em livros, nesse campo, a sua produção é absolutamente esmagadora, como se costuma dizer, em “quantidade e qualidade”, cliché que aqui se aplica “que nem uma luva”. Destaca-se naturalmente o seu já famoso e celebrado compendio “A Anatomia do livro de Arquitectura”, fruto da sua investigação pós-doc, tida como bolsista independente no Centro Canadiano de Arquitectura em Montreal, editado pela Lars Muller, em parceria com a sua DAFNE, a mais consistente e distintiva, editora portuguesa de cultura arquitectonica e cujos livros encontramos muito facilmente, nas melhores livrarias das principais cidades europeias.
Acumula já, uma vasta experiência no campo da curadoria e da produção expositiva, sendo consultor e curador do programa de exposições da Garagem Sul do Centro Cultural de Belém. Foi o comissário da Trienal de Arquitectura de Lisboa sob o titulo e tema da « Forma da Forma» em parceria com o saudoso Diogo Seixas Lopes, com quem já tinha anteriormente, partilhado a direcção do Jornal dos Arquitectos da Ordem dos Arquitectos Portugueses, instituição que lhe atribuiu o Prémio Távora.
Esse memorável evento expositivo, teve um impacto único, catapultando a Trienal de Lisboa, para uma atenção e consagração da parte da critica internacional.
Permitam-me terminar com uma nota pessoal, mas foi exactamente nessa ocasião, que tive pela primeira vez, o privilégio de trabalhar com o André Tavares.
Quando o José Miguel Rodrigues me desafiou a organizar este seminário da Opção E do PDA da FAUP, o seu nome surgiu-me com a maior das naturalidades, como: absolutamente essencial.
Obrigado André, por teres aceitado o nosso convite, que tanto prestigia o nosso curso.
Nuno Brandão Costa, 2021
Kersten Geers é um arquitecto belga, nascido no início da década de 1970, na mesma década em que seleccionou algumas das suas principais referências declaradas de obras arquitectónicas, tais como as obras construídas por Aldo Rossi e Robert Venturi.
Apesar deste universo referencial temporal e formal, a sua obra não está fechada em dogmas ideológicos ou históricos, estilos ou movimentos, e está sempre a avançar para o experimentalismo, em constante mudança de direcção para encontrar forma, espaço, escala e materialidade diversa, em função de necessidades programáticas específicas e características dos lugares.
Juntamente com o seu parceiro, David Van Severen, tem vindo a construir um corpo de trabalho expressivo e denso, que cruza constantemente a teoria com a prática e o ensino com o projecto, visando um caminho de investigação com um conteúdo crescente e expandido que informe a lógica e a razão dos seus próprios projectos.
No início do presente século, Kersten Geers e o seu parceiro, introduziram uma postura disruptiva, desenhando sem números (números digitais), mas por profunda sensibilidade e extrema simplicidade, mantendo uma distância ostensiva do mundo estéril virtual-digital da arquitectura mainstream contemporânea, e trazendo de volta uma atenção radical ao clássico, à forma geométrica básica, e concentrando-se na necessidade de o manter racional e apropriado, nunca perdendo o objectivo da arquitectura, que é também o de produzir beleza para o mundo.
Com esta atitude de prática, Kersten Geers deita por terra uma poderosa retórica cumprida com uma profunda mensagem arquitectónica, intenção pedagógica e objectivo de investigação, colocando a arquitectura no seu lugar preciso e autónomo.
No debate arquitectónico e cultural internacional, Kersten não precisa de ser apresentado, uma vez que ganhou o Leão de Prata na Bienal de Veneza em 2010, ensinou no Harvard GSD, Columbia GSAPP, na Escola de Arquitectura de Yale, na EPFL (Lausanne) e na Academia di Architettura di Mendrisio, tendo uma lista já impressionante de publicações monográficas nas principais edições de referência.
Kersten, é uma grande honra seres nosso convidado para esta última aula no nosso curso de doutoramento. Muito obrigado.
Nuno Brandão Costa, 2021
«Questões formuladas num vocabulário sombrio, por vezes severo, que não faz concessões à retórica: planos, das geometrias elementares, secções e elevações que evidenciam os volumes, costelas, sólidos e vazios por meio de sombras agudas. Desenhos demostrando edifícios reduzidos a apenas alguns elementos, quase como se fossem ruínas ou fragmentos de uma única grande construção.»
Esta é uma citação das últimas frases do prefácio da mítica publicação “Architettura lingua morta”, escrita pelo nosso convidado para a aula magna de hoje, Luca Ortelli, publicada por Quaderni di Lotus em 1988.
Falando de Giorgio Grassi, Luca Ortelli revela um olhar e um sentimento sobre a essência da arquitectura. Como ele também o faz, tão claramente, na sua famosa série de conferências, que eu tive o privilégio de assistir, quando leccionava na Universidade de Navarra, intituladas “Modernismo Sem Vanguarda”, expondo uma metodologia interpretativa, de enquadramento e explicação da obra de Heinrich Tessenow, Erik Gunnar Asplund, Sigurd Lewerentz ou Hans Schmidt.
Luca Ortelli é notoriamente reconhecido, pela sua importância no ambiente académico europeu, pois ensinou, leccionou e publicou nas universidades mais influentes: Zurique, Mendrisio, Genève, Lausanne, Lugano, Bolonha, Veneza, Pamplona e também na nossa Faculdade, onde leccionou no curso EAPA (Estudos Avançados em Projecto de Arquitectura) em 2015.
Tem escrito sobre arquitectura, nas principais editoras culturais e críticas da disciplina, como Lotus International, Casabella, Domus, AA. VV., Faces, Matières, Werk Bauen und Wohnen, Archi, Revista di Architettura entre outros; e tem sido editor chefe da Lotus International, de Stella Polare e da colecção: Essai d’Architecture da EPFL Lausanne, instituição onde ensinou e teve vários cargos de direcção.
Regularmente, Luca Ortelli publica livros e textos, sempre em torno de um profundo fascínio intelectual sobre o moderno da tradição clássica, problematizando sobre a sua força subliminar, intemporalidade e a permanente actualidade na contemporaneidade.
Luca, é uma grande honra tê-lo a leccionar no nosso curso de doutoramento. Muito obrigado.
Nuno Brandão Costa, 2021
Our guest of today, Philip Ursprung, is a teacher and researcher at the ETH in Zurich, where he has been the Dean of the department of architecture during the period between 2017 and 2019.
Besides that, he has been teaching and lecturing in the most prestigious Academies of Europe and of the United States, the country he was born in, in the early sixties.
He has studied Art history, History and German Literature, and probably due to this, he has developed an intellectual, phenomenology referential with architecture. In his work, History is not approached as an academic narrative, but as an experimental task. And research is not carried out as a conventional scholar method, but rather as an open and creative process. To formalize this experience, he crosses possibilities and approximations towards an evolution of the theory and does not treat the theory itself as such.
He crosses Architecture and Art, and Nature assumes the major role in the equation of reason and creation of things, “blurring boundaries”. One could say that history, theory and the subjects, are raw materials to be used for a conceptual practice which aims at attaining something, culturally and ecologically relevant and influential.
In his own words: “I look for places of transformation”, so memory and manifesto emerge in his work with the proper balance and the adjusted trace, to open wide possibilities of thought and action.
I had contact with the work of Philip Ursprung in 2005, when I came into contact with his work “Natural History”, the beautiful catalogue of the Canadian Centre, exhibition of Herzog & de Meuron, “Archaeology of the Mind”. The exhibition our today´s guest curated and edited in such a brilliant and exquisite way proposes an original and performing alternative (maybe the only one possible, I dare to say) to “ Herozg & de Meuron – une exposition” at Centre Georges Pompidou in Paris, curated at the time by the conceptual artist Remy Zaug, which I had the privilege of testifying (part of) the revolutionary process and the glorious opening in 1995, exactly 10 years before the CCA event.
In 2017, Philip was awarded the prestigious Swiss grand award for art, the Merit Oppenheim Prize. Not only due to this, but due to everything else already mentioned, it is a real honour to have you as a guest professor in our seminar of the E profile of the FAUP PHD program. Thank you very much.
Nuno Brandão Costa, 2021
«A boa arquitectura é convocada a transcender o seu próprio tempo. Os diamantes, tal como as obras de arte, são realizados num dado momento, mas nunca envelhecem. Encontramos a razão desta intemporalidade, nas palavras de Azorin: Tudo aquilo que é simples e primário não muda: mas tudo se transforma na sua irredutível permanência. O que é reduzido à sua expressão mais simples não sofre qualquer alteração.»
Esta citação de Elisa Valero, extraída do seu manifesto teórico, «A Teoria do Diamante e o Projecto de Arquitectura», já traduzido e publicado em diferentes línguas, poderia resumir em síntese, aquilo que observamos e depreendemos da expressão arquitectónica da sua obra.
Uma obra despojada, não no sentido ascético ou estético, mas no sentido da sua razão de ser. No sentido de permanecer legível conforme e apenas o seu intuito. Os meios restritos das suas edificações, afirmam uma liberdade intelectual, que lança a ressonância de uma linguagem subtil, mas clarificadora, com a qual a sua obra comunica com o mundo, de modo cristalino.
A sustentabilidade é um desígnio do todo, desempenhando um papel primordial neste desígnio, a própria sustentabilidade da forma.
Ou seja, a sua razão principal é a precisão, rasurada de ruído, de pretensa originalidade ou de artisticidade voluntária. O curioso resultado (ou não) é que os edifícios, na sua frugal materialidade ficam intensos, os espaços impressionantes e a beleza torna-se o natural protagonista da sua arquitectura, cujo humanismo se apresenta irreversível. Porque, também se pressente sempre, uma certa informalidade, que atribui às suas construções uma particular naturalidade.
Esta singularidade e sensibilidade da sua obra, terá levado o júri do prestigiado prémio internacional Swiss Architectural Award, a nomear e atribuir o galardão em 2018, tornando-se a Elisa, a primeira mulher da história, a receber esta distinção.
Contrariando toda a lógica-burocrática académica vigente, Elisa Valero, tem uma prática de projecto intensa, é doutorada e catedrática da Universidade de Granada, professora convidada na Accademia di Architettura di Mendrisio na Suíça, autora de escritos disciplinares que permanentemente cruzam a sua autoria oficinal com temas conceptuais, assumindo a investigação em arquitectura como indissociável da prática, antes um nexo de casualidade, da inteligência do seu corpo de trabalho de projecto:
Em suma e terminando como iniciei, citando a própria Elisa: “Esta profissão é para rebeldes.”
Elisa, muito obrigado por teres aceitado o nosso convite para integrares o nosso perfil de doutoramento, sobre teoria e práticas de projecto.
Nuno Brandão Costa, 2022
O nosso convidado de hoje, José Paulo dos Santos, é um arquitecto formado em Canterbury e Londres, que leccionou em distintas instituições internacionais, destacando-se o ETH em Zurique, Universidade de Rhode Island nos Estados Unidos e Universidade de Bolonha em Itália, sendo actualmente professor de Projecto 4 na FAUP.
A sua obra foi exposta nas universidades de Harvard e Columbia, publicada em editoras de referência, A+U, AV, Casabella, Domus Internacional e o seu trabalho foi compilado numa incomum monografia, edição da Rockport Publishers na série World Contemporary Architects, que sugiro a todos, se não conhecem já, a conhecerem com a maior brevidade.
Motivo, o facto de ter constituído um corpo relevante e muito coerente de obra privada e pública construída, permitindo-me destacar um belíssimo Kindergarten edificado na cidade de Berlim, obra pela qual foi galardoado com o prémio de arquitectura da Bund Deutschen Architekten em 1998.
Foi fundador e editor da mítica revista londrina de arquitectura 9H, razão pela qual hoje nos visita, para nos dar conta desses heróicos e seminais tempos de desenvolvimento, daquilo que consideramos ser da mais notável teoria de projecto.
A sua obra falada, escrita e construída é sempre subtil e elucidada, privada de rodeios, directa, mas muito rigorosa. Os seus projectos apresentam sempre ressonâncias daquilo que se poderá considerar a arquitectura de raiz racionalista, mas contrapõem uma maleabilidade aos lugares e às atmosferas, conseguida pela articulação entre espaços e a respectiva materialidade, definida na sua aberta exposição.
A precisão da definição urbana é sempre objecto principal da sua obra construída. A arquitectura de José Paulo dos Santos, quando olhada a partir da cidade, apresenta sempre uma paridade com o contexto sem abdicar da assunção do projecto como definição nova e de projecção do porvir.
Caro José Paulo, agradeço ter aceitado o nosso convite de leccionar esta tarde no nosso perfil de doutoramento, que certamente irá enriquecer o conhecimento dos nossos doutorandos.
Nuno Brandão Costa, 2022
Pier Paolo Tamburelli é um arquitecto italiano, que trabalha em Milão, o que só por si, já impõe uma certa autoridade arquitetónica, sobretudo para nós, os que ainda somos altamente motivados pela obra moderna do Renascimento e pela obra racionalista dos grandes mestres do Norte, Aldo Rossi e Giorgio Grassi.
Sobre o primeiro evento acaba de publicar On Bramante e sobre o segundo publicou Due saggi sull´architettura, livro que me ofereceu no Verão de 2013, e li na praia em Moledo, sob a névoa do clima atlântico, o que me pareceu o cenário perfeito para uma homilia onírica de arquitectura intemporal.
Em ambos comprova a sua teoria-de-projecto, de que a história antiga e a história recente, na arquitectura, não têm propriamente uma cronologia convencional, sendo antes matéria de permanente (in)reflexão, utilizadas, sem tempo, para a construção mental do projecto-de-arquitectura. É isso que se percebe, quando observamos a sua mais importante edificação, a Casa della Memoria, erguida na capital Lombarda. Um volume quadrangular opaco e denso, composto sob a rigidez de 3 alinhamentos estruturais, que no seu interior, desvenda uma inexpectável fluidez e uma surpreendente espacialidade a la Chandigarh. A caixa-forte tem a aparência de um retábulo tectónico, com profundidades de imagens em maçonaria de tijolo, a mesma que os frontões das basílicas de Fillipo Brunelleschi aparentam, porque não foram acabadas a mármore. Os retratos e as cenas que atribuem carisma e conteúdo à fachada são, tal como nas pinturas de Piero della Francesca, absolutamente bidimensionais e absolutamente em profundidade, no caso, desmaterializando a solidez da sua construção e diluindo a abstracção da sua materialidade.
O seu escritório, intitula-se de BAUKUH, termo que evoca a arte de construir, tal como a língua alemã define a arquitectura, mas abre na linguagem do neologismo algo que poderá transcender a mera utilidade social do ofício. O seu labor teórico e prático é de facto teórico-prático e será praticamente impossível separar a sua obra construída da sua obra escrita. Fundador da mais interessante e influente revista científica de arquitectura europeia das últimas décadas, a San Rocco (cujo título cita um dos mais radicais projectos não construídos da efémera dupla Grassi-Rossi), Pier Paolo fala e desenha a arquitectura e o seu projecto, num misto de à-vontade oficinal e saber de gravidade. O verdadeiro pedreiro Loosiano que aprendeu (muito) latim.
Como grande parte dos bons e importantes arquitectos é um professor completo, tendo sido docente no Politécnico de Milão, no Instituto Berlage, na Universidade Técnica de Munique (TUM), no GSD de Harvard, na Universidade de Illinois em Chicago, e na Porto Academy na FAUP, onde temos agora o prazer de o voltar a receber na nossa opção de estudos E, Teoria e Práticas de Projecto, do programa de doutoramento. Actualmente é professor regente da cadeira de Teoria de Projecto da Universidade Técnica (TU) de Viena, na Áustria. A história do nosso curso não estaria nunca completa, sem uma lição de arquitectura dada pelo Pier Paolo, a quem agradeço a disponibilidade para aceitar o nosso convite. Grazzie mille.
Nuno Brandão Costa, março de 2023
O nosso convidado de hoje, Daniel Blaufuks, é um artista, cuja criação é realizada a partir da imagem fotográfica, da película de filme, do vídeo e de outros registos visuais, originários do registo da realidade, a partir da utilização funcional da luz, do seu reflexo e da sua refracção.
O conteúdo do seu trabalho cruza, em permanência, a memória e a história. Sendo que ambas são distintas e aportam a nitidez de uma atmosfera particular.
O arquivo dos objectos, dos lugares e das pessoas, concentra uma área considerável do seu devir conceptual. Pode-se considerar uma actividade em que o objecto documental, adquire um especial relevo, para a entrada no mundo das ideias, que o artista propõe.
O formato e a dimensão, têm também um desempenho fundamental para a sugestão e a percepção crítica daquilo que é apresentado. Os mesmos variam em função da imagem representada e do objectivo da sua apreensão – portanto, da escala do seu sentido.
Muito importante e artisticamente distintivo, o livro ocupa um papel central na génese da sua obra, sempre concebido como um objecto completamente autónomo. Um objecto artístico autossuficiente com uma linguagem específica e por consequência um propósito estético definido e individual. Muitas das vezes, as viagens, a literatura ou o diálogo com outros autores, constituem ímpetos para os seus conteúdos e para os relatos ópticos, que a cada página se desprendem da referência original para outras figuras, outras cenas e aparências ou outras perspectivas.
Na nossa opção de estudos (E), a arquitectura não é inequivocamente uma arte e o trabalho do Daniel não terá, aparentemente, nada que ver com a arquitectura. O exercício do projecto lida diariamente com a funcionalidade das técnicas de outras especialidades que tem mais que ver com códigos e numerações precisas da engenharia, definitivamente afastadas da relatividade do equívoco das ditas ciências sociais. Ao invés, já se percebeu, que os métodos de raciocínio da arte, têm tangências com as metodologias conceptuais da arquitectura e, no caso, o trabalho em teoria-do-projecto recorre a sistemas de estudo analógico e imagético, cuja semelhança poderá ser vertida à referência do nosso autor de hoje: para além de apreciar a qualidade, a notoriedade e a celebridade da sua obra, perceber o procedimento da construção do seu corpo de trabalho, poderá ser um paralelo útil e fértil para as teorias-e-práticas de projeto que aqui se empreendem, razão pela qual nos pareceu óbvio este convite, agradecendo desde já a ilustre presença do artista Daniel Blaufuks, creio que pela primeira vez na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.
Nuno Brandão Costa, março de 2023
Irina Davidovici, é arquitecta e dedica-se sobretudo à investigação sobre a arquitectura e em específico sobre as questões do projecto da urbanização, da habitação colectiva e cooperativa nas cidades europeias e da arquitectura suíça moderna e contemporânea.
Doutorada em História e Filosofia da Arquitectura, pela Universidade de Cambridge em 2008, com a tese entretanto publicada em livro, com o título «Forms of Practice, German-Swiss architecture 1980-2000», publicação premiada em 2009 com o RIBA President’s Research Award for Outstanding Doctoral Thesis.
Gostaria de vos chamar a atenção, nesta brilhante publicação, em primeiro lugar para a assertividade e o ímpeto do título, que em português admite uma dupla e sugestiva leitura: Formas da Prática ou se preferirem Práticas da Forma; e também para a inteligência da escolha do tempo e do contexto das obras e da sua absoluta qualidade, assim como a eleição dos seus autores, cujo reconhecimento crítico é inabalável. Parecendo óbvio, é um atributo deveras relevante, pois torna ainda mais importante este exercício de síntese de um período, cujo reflexo e influência na história da arquitectura e nas gerações de arquitectos subsequentes, ainda é avassaladora. Não será alheio a esta escolha, imagino eu, a passagem pelo gabinete de Basileia, da dupla de arquitectos Herzog & de Meuron e o contacto com a prática conceptual destes autores, algo que naturalmente entendo e com o qual sinto uma afinidade (pelas escolhas e pelo tempo), difícil de disfarçar. Neste trabalho desenvolve a sua teoria-de-projecto com simultânea simplicidade e suficiente elaboração-crítica, ao ponto de criar conceitos robustos e muito precisos, para explicar as obras a partir da análise e síntese arquitectónica, dos objectos-de-projecto, do contexto do seu lugar geográfico, da sua história e das tensões conceptuais com a tradição e as indagações da autoria, criando um articulado e novo estado da arte e um original quadro paradigmático de casos de estudo de valor irrecusável.
A Irina leccionou e publicou em diversos fóruns internacionais, tendo sido professora na EPFL em Lausanne, no GSD Harvard, na Kingston University em Londres, e no ETH em Zurique, instituição onde actualmente cumpre a função de directora dos arquivos (GTA).
Para fechar, gostaria desde já de antecipar, que aguardamos ansiosamente o lançamento dos seus mais recentes trabalhos, cujo simples enunciar já promove toda a curiosidade:
«Common Grounds: A Comparative History of Early Housing Estates in Europe» (Triest Publishers, Zurich) e «The Autonomy of Theory: Ticino Architecture and Its Critical reception» (GTA Publishers, Zurich) – o último título, especialmente ressonante, no contexto da presente sala.
Cara Irina, agradecemos a disponibilidade e diligente aceitação em leccionar esta aula no nosso perfil de Doutoramento, Teoria e Práticas de Projecto.
Nuno Brandão Costa, abril de 2023
Tony Fretton é um incrível arquitecto. O seu trabalho começou a chamar a atenção da crítica internacional no início dos anos 1990, com a construção do idiossincrático edifício da Lisson Gallery em Londres, cidade onde tem o seu gabinete de arquitectura, cuja produção rapidamente se expandiu para fora de Inglaterra. A Lisson Gallery propunha em absoluta contra-corrente, um novo modo de expor a arte contemporânea, através de uma construção urbana, quase indistinta do tecido morfológico que a rodeia, que, no entanto, serviu para lhe atribuir um muito distinto significado. Tomando partido da irregularidade volumétrica do seu entorno, mimetizou num único plano, a fragmentação envolvente e absorveu a riqueza dessa mesma variabilidade, submetendo-a para seu próprio experimentalismo. Não é para todos.
Na sequência surgiram outras obras icónicas, como a majestática Red House no bairro de Chelsea, cuja ressonância renascentista, eu tive o privilégio de testemunhar e sentir numa bela manhã londrina, quando entrevistei o nosso convidado, para um livro da série “Band à Part” que, entretanto, acabei de escrever, sobre três obras superlativas de arquitectura contemporânea, nas quais figura precisamente, a Lisson Gallery. Ou o magnífico Museu Fulsgang, construído no sul da Dinamarca, um exercício arquitectónico de equilíbrio perfeito entre classicismo e contemporaneidade, contextualismo atmosférico e acerto de precisão formal. No meu entender, a intemporalidade, essa dificílima condição da obra arquitectónica maior, é o mais justo modo de classificar a sua vasta obra, cujo talento também se revela no à vontade e naturalidade com que encara uma diversidade impressionante de programas e escalas. Para além da obra construída, Tony Fretton, tal como todos os grandes arquitectos, assenta a sua obra mental, num esclarecido e selectivo referencial, habitado pelos grandes mestres modernos (Le Corbusier, Mies Van der Rohe, Alvar Aalto e Louis Kahn), o construtivismo soviético, arquitectos nórdicos como Peter Celsing e Sigurd Lewerentz, o classicismo anónimo britânico e italiano e o contemporâneo Álvaro Siza, autor com quem partilha o gosto pelo desenho de esquisso, cuja utilidade é fundamental para conceber a sua arquitectura. Esta sua particular vocação teórica foi recentemente compilada na publicação «Articles, Essays, Interviews and out-takes». Com uma escrita que se afasta dos entediantes e estéreis ditos “artigos científicos”, fala de Arquitectura, de um modo simples, directo e apaixonado. A sua obra tem sido regularmente publicada pelas principais edições de referência internacional, destacando-se as monografias da Gustavo Gili, Quart Verlag e Birkhauser. No seu currículo como educador, elenca-se a presença no ETH de Zurique, no GSD Harvard, em Cambridge, na EPFL em Lausanne, na Universidade Técnica de Delft, na Architectural Association em Londres, e no Berlage Institute, nos Países Baixos, entre outras.
Foi para mim uma enorme honra fazer esta apresentação, de um dos arquitectos europeus que mais me fascinam e admiro e penso que talvez estejamos todos de acordo, de que somos uns privilegiados em ter connosco o arquitecto Tony Fretton, a fechar o seminário 2 da opção E do PDA, Teoria e Práticas de Projecto. Muito obrigado.
Nuno Brandão Costa, junho de 2023
Renata Sentkiewicz fundou com Iñaki Ábalos em 2006, o gabinete de arquitectura internacional Ábalos+Sentkiewicz, com escritórios em Madrid, Boston e Shangai. Os seus projectos constituem uma prática fortemente experimental, sem preocupações de definição estilística ou formal. As suas construções provêm de uma abordagem programática, paisagística e urbana, uma síntese do entendimento das possibilidades que as diversas relações de transformação que constitui o exercício do projecto podem constituir como obra metropolitana e ambiental, ou como os próprios referem, a oportunidade da construção de uma beleza termodinâmica.
Entre outras actividades didáctico-científicas, a Renata foi professora associada da ETSAM (Madrid) entre 2007 e 2012, ano em que se torna professora convidada do GSD em Harvard, actividade que mantém até hoje, sendo também membro principal da associação Zero Energy Alliance e editora dos Cuatro Observatorios de la Energía (COA Canarias, Santa Cruz de La Palma, 2007) e Campos Prototipológicos Termodinámicos (ETSAM, UPM, Madrid).
Formou-se na Escola Politécnica de Cracóvia e iniciou a sua carreira no gabinete de Ábalos & Herreros no ano de 1999, o célebre e celebrado estudio de arquitectura de Madrid, cuja produção foi amplamente influente entre os anos de 1984 e 2006, encontrando-se o respectivo arquivo, depositado no CCA em Montreal, no Canadá.
Iñaki Ábalos foi, juntamente com Juan Herreros, fundador deste laboratório arquitectónico que para a minha geração se constituiu como um movimento que, poder-se-á dizer, abriu caminho para a progressão de uma sequência geracional que perdura até hoje, que radicalizou a cultura essencialista da forma directa e económica até ao limite da expressão do anonimato, do standard convencional e da apropriação, conservação e reciclagem da pré-existência construída enquanto função, linguagem e forma. Autor das influentes publicações teóricas, «A Boa Vida: visita guiada às casas da Modernidade» (Gustavo Gili) ou mais recentemente «Absolute Beginners» (Park Books Zurique), entre muitas outras, a sua voz teórica acompanha com grande originalidade e coerência a sua prática de projecto.
Iñaki é professor catedrático na ETSAM (Madrid) tendo sido, entre 2013 e 2016, nomeado director do GSD em Harvard, instituição onde mantém diversa actividade pedagógica e cultural.
É com grande entusiasmo, que temos o prazer de receber no seminário da Opção E do PDA da FAUP, Teoria e Práticas de Projecto, Renata Sentkiewicz e Iñaki Ábalos, a quem agradecemos a disponibilidade de se terem deslocado ao Porto para partilharem connosco as suas prolíferas ideias e a energia contemporânea dos seus projectos.
Nuno Brandão Costa, abril de 2024
Moisés Puente é um arquitecto espanhol com um percurso académico formativo que inclui as escolas de La Coruña, Roma e Barcelona, tendo desde muito jovem manifestado um profundo interesse pela edição da obra projectada, construída e teórica de arquitectura e muito cedo revelado um especial talento e sentido de critério de qualidade e escolha, que levou a que precocemente integrasse o comité editorial da famosa revista do colégio de arquitectos da Catalunha, Quaderns d´Arquitectura.
Entre 1998 e 2020, dirigiu a edição da revista 2G, da editora Gustavo Gilli, tendo criado um paradigma editorial específico (alternativo a outras conhecidas edições monográficas do país vizinho, como a El Croquis, AV, TC Cuadernos, entre outras), alternando a edição de autores à época emergentes (por exemplo, tendo editado a primeira monografia de Lacaton & Vassal, de Ábalos & Herreros e Smiljan Radic) com uma visão especifica para autores históricos poucos reconhecidos na sua época ou de facções das suas obras menos divulgada. No primeiro caso assinala-se a publicação de monografias de Max Bill, Lina Bo Bardi, Vilanova Artigas e Kazuo Shinohara (hoje nomes muito recorrentes, mas no fim dos anos 90, princípio dos 2000, nomes muito pouco falados nas academias e agendas críticas, ainda a ressacar da pós-modernidade), e no segundo caso, exemplos como edições monográficas sobre as casa de Mies Van der Rohe, a obra de Arne Jacobsen ou Gerrit Rietveld, entre outras.
Durante esse profícuo período na editora catalã, publicou uma série de livros de textos e entrevistas com arquitectos da modernidade e da contemporaneidade, pequenos livros que ainda hoje têm um enorme impacto nos estudantes, investigadores e arquitectos interessados em conhecer e compreender a disciplina e os seus principais protagonistas.
Paralelamente, foi explorando outras vias editoriais e autorais, destacando-se, entre diversos ensaios e edições, a sua monografia sobre o magnífico Alejandro De La Sota, realizada em co-autoria com Josep Llinas e Iñaki Ábalos, este último que nos visitou na última sessão deste ciclo intitulado «Suite Espanhola».
Desde 2020 tem dado continuidade ao projecto editorial 2G, agora publicado num novo formato, sob chancela da editora alemã Walther König, mantendo um estrito critério de qualidade, lançando novos autores da cena contemporânea, sobretudo europeia, e revisitando autores clássicos menos divulgados ou mesmo esquecidos, tendo recentemente editado um maravilhoso número sobre Alejandro De La Sota, com uma renovada visão crítica e imagética sobre o idiossincrático autor galego. Uma das principais características destas edições, é o cuidado na composição gráfica para uma determinada leitura da obra arquitectónica, a escolha do ambiente fotográfico, aliado a uma irrepreensível curadoria crítica, de qualidade superior.
Em 2016, criou a editora independente Puente Editores, dedicada à publicação de textos de arquitectos. Mais uma vez alterna a história, os clássicos e a contemporaneidade, sem dilemas cronológicos, editando livremente Sigurd Lewerentz, os Smithsons, Aldo Rossi, Cédric Price, Coderch, Kersten Geers, Radic, H Arquitectes e Iñaki Ábalos.
Recentemente publicou «Cháchara y otras historias de arquitectura» – uma pertinente e conhecedora análise crítica da produção arquitetónica contemporânea.
Em 2010 recebeu o premio FAD de Pensamento e Critica pela sua múltipla e polifacetada carreira como influente editor, divulgador, crítico rigoroso e criterioso autor no âmbito da visão crítica de arquitectura mas também, imagino, pela sua incansável paixão por divulgar a nossa fascinante disciplina.
Nuno Brandão Costa, maio de 2024
“Não como arquitecto, apenas como explorador da arquitectura, considero-me um diletante, no mesmo sentido em que um grupo de arquitectos e entusiastas de arte ingleses se baptizaram como a Sociedade dos Diletantes, que é como dizer: sinto-me muito mais guiado pela curiosidade e pelo fascínio, pelo diálogo entre os meus pares e pelo oficio, do que propriamente pela ânsia de uma qualquer precisão académica.
Interessam-me todos os aspectos da arquitectura, mas sempre senti uma particular curiosidade por ver os seus interiores, que amiúde se revelam enigmáticos e surpreendentes, muitas vezes distantes do que à primeira vista, aparenta a sua envolvente exterior e em muitos casos, caracterizados pela sua iluminação natural. A porta de um edifício, pode sempre conduzir à descoberta de um espaço inesperado.”
Elías Torres é um arquitecto do inesperado. Para o apresentar, para além das palavras do próprio que acabei de ler, vou utilizar a nota de uma memória pessoal:
No princípio deste século, era eu arquitecto há pouco tempo, fui visitar o recém inaugurado fórum de Barcelona, na ânsia de ver novos edifícios, que era como quem diz formas contemporâneas, disruptivas e vanguardistas, como era hábito suceder nestes eventos que entre o fim dos anos 90 e princípio dos anos 2000, se sucederam em catadupa. Mas de facto o que me abalou e me ficou na mente, não foi nenhum edifício ou pavilhão em particular. Antes um enorme espaço público reconfigurado através de um objecto utilitário e infraestrutural, que se erguia e virava para a luz solar, com uma escala e vigor impressionantes. Uma enorme pérgola fotovoltaica que simultaneamente captava a energia natural e abrigava o publico configurando um recinto, através de uma forma que se estabelece entre a ideia de uma escadaria monumental e um auditório clássico. A proposta urbana para toda a área apresentava-se toda, como uma superfície contínua e sucessiva de elementos arquitetónicos cuja identificação e tipologia não correspondiam à lógica convencional do edificado, antes à criação de um espaço urbano através da articulação entre momentos de relação entre a natureza e o artificio, a manipulação da dimensão e da escala do objecto estritamente estrutural e a utilidade do desenho da infraestrutura metropolitana. A criação de uma paisagem fortemente atmosférica e, no fundo, profundamente arquitetónica, sem que essa fosse nitidamente uma intensão formal.
À época, a palavra sustentabilidade ainda não estava na moda.
“Porque se trata de uma tese em que tanto o material como as observações pessoais são consequentes de experiências pessoais e directas, aspecto da maior relevância e interesse, tendo em conta que quase todos os trabalhos deste tipo (tese de doutoramento) se apoiam em material de fontes secundárias. Porque as conclusões que esta tese pode alcançar, situam-se num território que cabe clarificar como de estritamente arquitetónico, pelo que as mesmas são do maior benefício para quem pretende ser arquitecto.”
Cito Rafael Moneo, a propósito da sua obra escrita e imagética «Luz Cenital» que rapidamente se tornou um ícone da teoria de projecto contemporâneo, sintetizando, em sábias palavras, aquilo que eu presenciei na referida e inesperada experiência da visita à Esplanada do Fórum das infraestruturas de Levante, comprovando que Elías Torres é um desses raros arquitectos que aqui (na opção de estudos E do PDA da FAUP) incessantemente procuramos, com o dom da simultaneidade e da espontaneidade, da teoria e da prática do projecto.
Nuno Brandão Costa, maio de 2024
(tradução de Ricardo Leitão a partir do texto original de Lluís Clotet)
“Eu, Elías e José Antonio estudámos na Escola de Arquitectura de Barcelona. Estando eu três ou quatro anos à frente, durante esse período não nos encontrámos em nenhuma ocasião. Terá sido por volta de 1982, quando ainda não nos conhecíamos, que vi pela primeira vez uma obra deles publicada – concretamente o projecto de reabilitação que fizeram na Igreja de l’Hospitalet, em Ibiza – que me deixara muito surpreendido e entusiasmado.
Aqui estão algumas dessas imagens.
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Na altura, perguntara-me de onde viria aquele trabalho, tão distinto dos ensinamentos e das referências que recebêramos na Escola?
Como explicar aquele súbito aparecimento de uma linguagem delicada, pessoal, eficiente, elaborada e simultaneamente leve, que parecia advir e difundir-se do próprio edifício?
Onde teriam eles aprendido a trabalhar aqueles elementos aparentemente heterogéneos de uma forma tão inata, quase sem ensaio prévio?
Responder a tudo isto não seria certamente fácil nem imediato, mas comecei a intuí-lo à medida que nos conhecíamos e íamos criando laços de amizade, enquanto envelhecíamos e partilhávamos, com frequência, as primeiras memórias da infância, convencidos de que ali residiam as verdadeiras fundações do modo de ser de cada um de nós.
José Antonio contara-me que entre os cinco e os dez anos vivera com os avós paternos em Mata Sobresierra, uma pequena localidade da província de Burgos onde aprendera todo o tipo de ofício com o seu querido avô Dionísio. Auxiliava-o na confecção de utensílios, no conserto de ferramentas, na atrelagem dos bois, na lubrificação das carroças, no afiar das foices e na confecção das selas. Com ele espalhava e aventava as colheitas na eira, ajudava-o a conduzir o tractor, a percorrer os montes reparando-os com pedras novas, a acender a palha no forno comunitário para fazer pão, a pescar caranguejos no rio, a fazer compotas e a participar na matança do porco e na preparação das suas carnes… entre muitas outras coisas.
Entretanto, Elías passara a infância em Ibiza, entre a casa dos avós no porto e os estaleiros, onde o seu avô e o seu pai, construtores navais, construíam barcos. Lá aprendera a desenhar na mesma mesa dobrável onde eram desenhadas as seções longitudinais e transversais dos reforços anelares, rodeado de ferramentas, compassos e hastes de óculos carey, que deformava com pesos de chumbo para desenhar curvas complexas… tudo isto impregnado de um forte cheiro a resina e a alcatrão.
Elías contou-me, entretanto, que o seu avô Antonio instalara no telhado um engenhoso dispositivo inventado por si para fornecer água quente para o chuveiro, e que o seu pai construíra uma magnífica clarabóia que podia ser regulada por um conjunto de barras, cordas e argolas que lhe permitiam ter, continuamente, uma luz agradável no seu quarto. Também Elías fazia os seus pequenos barcos com ossos de choco que nadavam no porto diante de si, e construía moinhos de vento, catracas, fisgas e pipas que fazia com junco e papel colado com pasta de farinha. Dos dois, ouvi histórias que contavam o ambiente particular em que viveram e inúmeras anedotas que, parecendo diferentes, eram na verdade muito parecidas.
Os dois viviam mergulhados num mundo artesanal no qual não havia qualquer fronteira entre as mãos e o cérebro, entre a teoria e a prática, a técnica e a expressão, o artesão e o artista, o produtor e o utilizador, o trabalho e o jogo, o útil e o belo.
Por outro lado – contaram-me – tratava-se de uma sociedade na qual se evidenciava uma relação estreita e clara entre o esforço pessoal e o resultado final desse esforço. Ligação que, por um lado, tornava impossível esconder dos outros a responsabilidade de cada um e que, por outro, estimulava o orgulho pelo trabalho bem executado.
Tratava-se de uma sociedade preocupada com um certo tipo de pragmatismo, a poupança e a durabilidade das coisas. Tudo era preservado e aproveitado. Tudo era consertado porque quase todos entendiam a construção e o funcionamento das coisas que utilizavam.
Este ambiente em que os dois cresceram, de grande força e coerência, num tempo em que as coisas se aprendiam realmente, moldou profundamente José Antonio e Elías. E fê-lo com tal intensidade que por detrás da personalidade e do imaginário de cada um, das diferentes formas que tinham de fazer as coisas, acabavam sempre por encontrar esse elo de ligação comum, fundamental, que os une aos dois.
Mais tarde ingressariam na Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona onde se conheceram e onde quase ninguém sabia o que eles já sabiam – nada menos que saber o porquê da necessidade de construir, de transformar as coisas e, sobretudo, de como fazê-lo. Eles tinham visto isso de perto, tinham praticado, cada um à sua maneira e, de algum modo, tinham entendido.
Na escola encontraram um ambiente onde se valorizava a palavra, a representação, a fragmentação disciplinar, o pensamento… de certa forma distantes e desligadas da acção e do fazer. Tratava-se de um mundo universitário desvirtuado do que eles tinham experimentado como uma unidade natural e indivisível, um mundo onde naquela época coexistiam numerosos debates entre académicos, funcionalistas, venturianos, rossianos, semiólogos, sociólogos e políticos radicais, para dar alguns exemplos. Embora jovens, não caíram na ingenuidade de tentar compreender o mundo para o transformar, nem acreditaram nunca em possíveis paraísos futuros. Não deram grande importância a todas aquelas preocupações omnipresentes naquela altura, como o demonstra o facto de não encontrarmos vestígios daquelas influências, nem nos seus escritos, nem nas suas primeiras obras.
Além de novos colegas e de novas amizades, que não foram poucas, penso que a Escola não lhes trouxe nada de verdadeiramente relevante, tampouco questionou o que já haviam aprendido.
Começaram a trabalhar juntos pouco depois de terminar o curso e após um brevíssimo intervalo de dúvidas e provações, imagino que um dia terão caído do cavalo e decidiram lançar-se, determinados a recordar, valorizar e recriar aquela extraordinária cultura popular na qual viveram mergulhados durante a infância, que tão bem conheciam. Imagino que talvez apenas esta decisão poderá explicar como aquela magnífica obra de renovação da Igreja de l’Hospitalet surgiu como que por magia, repentina e aparentemente do nada.
Mas aquela cultura simultaneamente artesanal e rural, tão coerente, intensa, global, tão envolvente e sedutora que os influenciou enquanto brincavam, não só permeou aquele trabalho inicial e exímio, mas também viria a estruturar todo o seu trabalho posterior.
Em todas as suas obras, tão distintas entre si em escala e programa, encontramos evidências disso.
Vejamos algumas ilustrações.
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Esta entrada e montra de uma loja de ferragens, aparentemente discreta, é uma espécie de jogo de origami brilhante.
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Estas casas unifamiliares parecem querer demonstrar o jogo que verificamos quando se utiliza o modelo enquanto instrumento de projecto; modelo, esse, modificado constantemente sob o efeito das mãos que pensam e que poderiam manipulá-lo para sempre. A obra acaba por ser a expressão de um desses elos intermédios, provisórios, abertos e que estão longe do resultado concluído, sereno e fechado que nunca se procura alcançar.
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Muitas vezes a forma de abordarem as intervenções no património recorda-me as estratégias de remendar, consertar e costurar que viram e praticaram quando eram crianças. Na maioria das vezes são intervenções mínimas, localizadas, leves e engenhosas, que nunca se confundem com a base, que, pelo contrário, realçam, elavam e transformam. Talvez de um modo semelhante ao que tinham visto nos grampos de metal que remendam as fissuras dos potes de barro, ou nos pequenos latões polidos e brilhantes que mudam o carácter das grandes fachadas antigas.
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Quando se trata de organizar e qualificar grandes espaços, não procuram, de uma maneira tradicional, controlar o seu perímetro, mas antes plantar o seu interior com múltiplos objectos heterogéneos de grande carga escultórica, com a convicção de que desta forma será mais fácil e realista melhorar a sua condição urbana. A relação que se estabelece entre eles nunca é uma relação evidente, baseada numa geometria simples; é mais complexa e lembra a relação entre os brinquedos que ficam no chão por arrumar, sem uma ordem aparente, quando as crianças são mandadas para a cama.
E assim poderíamos continuar a olhar a sua obra desde esta perspectiva, encontrando por toda a parte traços claros daquela infância distante que tanto José Antonio como Elías fizeram questão de não esquecer, de não perder contacto com o que deles resta, de não se afastar do lugar nem das pessoas queridas que os acompanharam naquela experiência única e excepcional. Com este extraordinário material precioso e graças à sua enorme imaginação e sentido de compromisso, foram capazes de transformar esses materiais, mantê-los vivos e actuais, conseguiram escrever a partir deles novos e belos versos. Parabéns!”